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ANÁLISE: Novo Marco Legal do Saneamento Básico FIESP, 18/12/2020

ORIGENS DO NOVO MARCO LEGAL

Em julho passou a vigorar no país o novo marco legal para o setor de saneamento básico, na forma da Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020, a qual alterou uma série de dispositivos legais, particularmente o marco legal anterior, dado pela Lei nº 11.445/2007. O marco estabelecido em 2007 buscou estabelecer as bases para a universalização do acesso aos serviços de saneamento básico, assim como os termos do planejamento e da regulação dos serviços, dentre outros aspectos. Pouco mais de uma década depois, no entanto, os indicadores de cobertura ainda eram insatisfatórios, com elevada heterogeneidade regional e com a expansão dos serviços avançando em um ritmo aquém do necessário para atender às necessidades da população e alcançar a universalização. A atualização desse marco, aprovada em 2020, busca justamente garantir as condições para isso, principalmente no contexto atual de restrição fiscal, que afeta negativamente a capacidade de investimento do setor público.

Tendo como referência a evolução insatisfatória da oferta dos serviços de saneamento, foi editada em julho de 2018 a Medida Provisória nº 844 (MP 844/2018) pelo governo do Presidente Michael Temer. A MP 844/2018 (1) atualizava o marco legal do saneamento básico; (2) atribuía à Agência Nacional de Águas (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, com o objetivo uniformizar e padronizar as normas regulatórias do setor; (3) tratava dos chamados contratos de programa – contratos amplamente empregados no setor de saneamento básico – com o objetivo de ampliar as possibilidades de processos licitatórios; e (4) criava o Comitê Interministerial de Saneamento Básico (Cisb) como forma de assegurar a implementação da política federal para o setor e articular a atuação dos órgãos e das entidades federais quanto à alocação de recursos financeiros em ações na área. Com o encerramento da vigência da MP 844/2018 em novembro de 2018, o governo editou uma nova Medida Provisória (MP 868/2018) em dezembro do mesmo ano, com poucas alterações em relação à anterior. Assim como a sua antecessora, a MP 868/2019 também perdeu validade, em junho de 2019. No seu conjunto, as mudanças propostas por essas duas Medidas Provisórias buscavam atualizar o marco legal dado pela Lei 11.445/2007 com vistas a promover de fato a universalização de acesso aos serviços de saneamento.

O Projeto de Lei (PL) nº 3.261, de autoria do Senador Tasso Jereissati (PSDB/CE), recuperou em junho de 2019 as mudanças contidas naquelas duas Medidas Provisórias, ao reproduzir, em larga medida, o Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 8, de 2019, originário da apreciação da MP 868/2018. Tendo igualmente como referência aquela Medida Provisória, foi apresentado à Câmara dos Deputados em agosto de 2019 o Projeto de Lei nº 4.162, de iniciativa do Poder Executivo. Na sequência, o PL 4.162/2019 foi apensado ao PL 3.261/2019 (já aprovado no Senado) e aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 18 de dezembro de 2019 e pelo Senado Federal, no dia 24 de junho de 2020, com apenas uma emenda, sem alteração do mérito. Como resultado, o projeto foi diretamente enviado para a sanção presidencial, sendo sancionado no mês seguinte com 18 vetos, dando origem à Lei nº 14.026/2020.

PRINCIPAIS MUDANÇAS TRAZIDAS PELO NOVO MARCO

O novo marco trouxe inúmeras mudanças que podem contribuir para que, com a sua regulamentação e plena implementação, o conjunto da população seja atendido em um horizonte definido de tempo. Para atender a esse objetivo fundamental, o novo marco legal busca, em linha com o espírito das Medidas Provisórias editadas em 2018: (i) aumentar a concorrência no setor, viabilizando a necessária expansão dos investimentos; (ii) uniformizar as normas regulatórias; e (iii) aumentar a segurança jurídica, particularmente com respeito aos contratos. Dentre as principais mudanças trazidas pelo novo marco, é possível destacar:

1- A definição de um prazo para que metas de cobertura sejam atingidas, ao estabelecer que os contratos de prestação dos serviços de saneamento deverão definir metas de universalização que assegurem o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% da população com coleta e tratamento de esgoto até 31 de dezembro de 2033. Os contratos em vigor que não possuírem tais metas terão que ser alterados até 31 de março de 2022 para promover a inclusão. Cabe registrar que o novo marco permite a ampliação do prazo para a universalização no caso em que os estudos para a licitação da prestação regionalizada apontarem para a inviabilidade econômico-financeira da universalização até o final de 2033, mesmo após o agrupamento de municípios de diferentes portes. Nesse contexto, o alongamento do prazo é permitido, desde que não ultrapasse 1º de janeiro de 2040 e que haja anuência prévia da agência reguladora;

2- Novas atribuições da Agência Nacional de Águas, rebatizada de Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). A agência passa a ter a competência para instituir normas de referência nacionais para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico por seus titulares e suas entidades reguladoras e fiscalizadoras subnacionais. O objetivo é incentivar a uniformização das normas regulatórias e, dessa maneira, aumentar a segurança jurídica do setor, estimulando os investimentos. Como incentivo para essa uniformidade, o novo marco condiciona a alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União à observância das normas de referência expedidas pela ANA;

3- Incentivo à competição na prestação dos serviços de saneamento, estimulando a maior participação do setor privado e o aumento dos investimentos no setor, ao (i) vedar a formalização de novos contratos de programa para a prestação de serviços de saneamento, inclusive para o caso de consórcios intermunicipais de saneamento, ressalvando que tais contratos, bem como os contratos de concessão, existentes na data de publicação da nova lei permanecerão em vigor até o advento do seu termo contratual; e (ii) definir que a prestação dos serviços públicos de saneamento básico por entidade que não integre a administração do titular dependerá da celebração de contrato de concessão, por meio de prévia licitação;

4- Revisão dos contratos em vigor, ao exigir (i) a incorporação das metas de universalização até 2033; e (ii) ao estabelecer que tais contratos, incluídos aditivos e renovações, autorizados nos termos do novo marco, assim como aqueles provenientes de licitação para prestação ou concessão dos serviços de saneamento, passam a estar condicionados à comprovação da capacidade econômico-financeira da contratada, por recursos próprios ou por contratação de dívida, com o objetivo de viabilizar a universalização dos serviços na área licitada até 31 de dezembro de 2033;

5- Novos termos relativos à alienação de controle acionário de empresa pública ou sociedade de economia mista prestadora de serviços públicos de saneamento. No caso de alienação, o novo marco define que (i) os contratos de programa ou de concessão em execução poderão ser substituídos por novos contratos de concessão, observando-se, quando aplicável, o Programa Estadual de Desestatização; e (ii) os contratos de parcerias público-privadas ou de subdelegações que tenham sido firmados por meio de processos licitatórios deverão ser mantidos pelo novo controlador;

6- Novas condições para a subdelegação, regime largamente adotado na prestação de serviços de saneamento básico. No contexto da prestação por meio de contrato, o prestador de serviços poderá, além de realizar licitação e contratação de parceria público-privada, subdelegar o objeto contratado, observando o limite de 25% do valor do contrato, com a subdelegação condicionada à comprovação técnica, por parte do prestador de serviços. Adicionalmente, os contratos de subdelegação deverão ser precedidos de procedimento licitatório;

7- Incentivo à prestação regionalizada dos serviços. O objetivo é obter ganhos de escala, garantir a viabilidade econômico-financeira dos serviços e o atendimento dos Municípios menores e menos atraentes do ponto de vista econômico. Nesse sentido, o novo marco passa a condicionar a alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União à estruturação de prestação regionalizada, dentre outros aspectos;

8- Incentivo à capacitação técnica dos municípios (titulares) e de agências reguladoras infranacionais, contribuindo para aprimorar a regulação local e a fiscalização da prestação dos serviços; e

9- Criação do Comitê Interministerial de Saneamento Básico (Cisb), regulamentado pelo Decreto nº 10.430, de 20 de julho de 2020, com a finalidade de aprimorar a gestão, em âmbito federal, do Plano Nacional de Saneamento Básico e da aplicação dos recursos federais em saneamento.

DESAFIOS PARA A PLENA IMPLANTAÇÃO DO NOVO MARCO

Para que o novo marco legal do saneamento básico seja plenamente implantado e, com isso, sejam criadas as condições por ele previstas para a universalização do acesso aos serviços de saneamento até 2033, alguns desafios devem ser destacados:

1- Levará um certo tempo para que as mudanças trazidas pelo novo marco sejam incorporadas plenamente à prática administrativa da prestação de serviço de saneamento no país, visto que, em alguns casos, haverá a necessidade de indenizar a empresa em caso de retomada antecipada, o que serve de incentivo para o cumprimento dos atuais contratos até o fim. Adequar os contratos existentes às novas regras, em particular à que exige a comprovação da capacidade econômico-financeira da contratada, de forma a garantir o prazo previsto para a universalização, mostra-se também como um desafio;

2- O novo marco demandará igualmente um esforço de regulamentação considerável por parte da ANA como resultado do aumento de suas competências. A agência deverá desenvolver em um curto espaço de tempo capacidades regulatórias para lidar com contratos, riscos, avaliação de ativos, projetos de investimento e tarifas sociais, dentre outros temas, o que exigirá uma ampliação do seu quadro de pessoal em um momento de restrição fiscal;

3- A diversidade regulatória ainda estará presente em algum grau, apesar da perspectiva de criação de normas de referência nacionais, uma vez que (i) a elaboração dessas normas consumirá tempo; (ii) a regulação local será ainda conduzida pelas agências subnacionais no caso daqueles municípios que não aderirem à regulação nacional; e (iii) a capacitação técnica de municípios e agências reguladoras subnacionais carentes de tal atributo também levará tempo, o que pode atrasar a implantação das normas nacionais;

4- O estímulo à competição trazido pelo novo marco faz com que a elaboração de bons editais e a devida condução das licitações sejam ainda mais críticos para viabilizar o aumento dos investimentos e a universalização dos serviços no prazo previsto, o que exigirá um esforço administrativo significativo e capacidade técnica dos titulares; e

5- A apreciação dos vetos ao PL 4.162/2019 pelo Congresso Nacional e o julgamento pelo plenário do STF das duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade ajuizadas por diversos partidos políticos após a sanção do projeto de lei podem levar ainda a alterações no novo marco legal. Em particular, deve-se destacar o veto ao art. 16: a sua derrubada pode viabilizar a renovação dos contratos de programa vigentes e a formalização das situações de fato de prestação dos serviços de saneamento por empresa pública ou sociedade de economia mista, por um período de até 30 anos. Como resultado, o alcance dos dispositivos do novo marco que incentivam a competição entre prestadores por meio de novos processos licitatórios para a prestação dos serviços ficaria limitado. Além disso, as condições financeiras de diversas Companhias Estaduais de Saneamento Básico, uma vez regularizados os seus contratos de programa, passariam a ser ainda mais críticas, considerando os investimentos exigidos para garantir a universalização até 2033.

EVENTOS RECENTES E PERSPECTIVAS DE ATUAÇÃO DO SETOR PRIVADO

Ao longo do segundo semestre de 2020, os programas de concessão e parcerias na área de saneamento avançaram de forma expressiva, com destaque para as concessões realizadas em Alagoas, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul.

Em fins de setembro, a empresa BRK Ambiental venceu leilão de saneamento em Alagoas, com uma oferta de R$ 2,9 bilhões, superando em mais de R$ 1 bilhão a oferta do segundo colocado. Além da outorga de R$ 2 bilhões, que deverá ser paga ao Estado a partir do próximo ano, estão programados R$ 2,6 bilhões de investimentos na estrutura para universalizar em 6 anos os serviços de abastecimento de água, e em 16 anos os serviços de coleta e tratamento de esgoto em 13 cidades da região metropolitana de Maceió. O contrato tem prazo de 35 anos.

Em outubro, foi realizado o leilão para a prestação dos serviços de água e esgoto das cidades de Cariacica e Viana, na região metropolitana da Grande Vitória (ES), na forma de Parceria Público-Privada (PPP). Foram entregues sete propostas de consórcios interessados no projeto de PPP de esgotamento sanitário. O objetivo da concessão é a universalização do acesso à rede de esgotamento até o décimo ano de contrato, com 423 mil habitantes beneficiados pelo projeto. Atualmente, apenas 48,3% da população têm coleta de esgoto nessas cidades. O projeto prevê o investimento de R$ 580 milhões em infraestrutura de saneamento básico ao longo dos 30 anos de contrato, dos quais R$ 180 milhões devem ser aplicados nos primeiros cinco anos.

Também em outubro, foi leiloado o projeto de PPP de esgotamento sanitário da Sanesul, companhia estatal do Mato Grosso do Sul, tendo como vencedora a empresa Aegea Saneamento e Participações S.A. Com prazo de concessão de 30 anos, devem ser aplicados R$ 3,8 bilhões, entre investimento e operação, sendo R$ 1 bilhão em obras. A PPP atenderá 68 municípios atualmente atendidos pela Sanesul, e prevê a universalização da coleta e tratamento de esgoto em um horizonte de 10 anos, sendo a cobertura atual de quase 50%.

Atualmente, a carteira do BNDES já possui projetos para melhoria na prestação de serviços de água e esgoto em pelo menos nove Estados brasileiros, entre eles o Acre, o Amapá, o Ceará e o Rio de Janeiro. Merece destaque o plano de concessão desses serviços em 47 municípios atendidos atualmente pela Cedae, Companhia Estadual de Água e Esgoto do Estado do Rio de Janeiro, cujo edital deve ser publicado em 18 de dezembro. Considerando o conjunto desses projetos, os investimentos previstos são da ordem de R$ 50 bilhões.

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